O nosso amigo do mês é o Adams Cassinga, um profissional na área de conservação, pioneiro na República Democrática do Congo (RDC). Adams é o fundador da Conserv Congo, o parceiro de implementação da Fundação EPI na RDC. A Conserve Congo nos ajudará a avaliar e a melhorar a gestão e a segurança do marfim e outros produtos de vida selvagem em Kinshasa, Lubumbashi e Goma, numa impressionante expansão do nosso programa Gold Standards.
Sabemos que nasceu na parte leste da RDC. Por favor, conte-nos como foi a sua infância e se interessou-se pela natureza e conservação enquanto ainda na escola.
Nasci numa família de classe média e frequentei uma das melhores escolas jesuítas da região.
Todas as semanas eu via um grande caminhão com turistas indo ver os gorilas no Parque Nacional Kahuzi Biega, sobre o qual conhecíamos muito pouco. Quando se trata de primatas, apenas liámos sobre os mesmos em livros. Na minha escola não podíamos falar nenhuma língua, excepto Francês e Inglês. Então, se alguém falasse um vernáculo, eram punidos. As meninas lhes era cortado o cabelo e os meninos usavam uma caveira de chimpanzé no pescoço o dia inteiro. Esse hábito definitivamente fez com que alguns alunos rejeitassem até mesmo a ideia de considerar a conservação como uma carreira. Lembro-me que a conservação era dominada por pessoas de origem não africana. Na verdade, muitas pessoas, locais e estrangeiras, ainda acreditam subconscientemente que a conservação diz respeito à todos, excepto aos africanos. Os animais selvagens foram associados à vergonha e ser uma pessoa não civilizada. A conservação era vista como uma carreira que não pagava bem e era desprezada, e esse mito perdura até hoje.
Eu pessoalmente sempre estive muito interessado na vida selvagem, mas na época não sabia o que era conservação. Tudo o que eu sabia era que a natureza e os animais em particular me fascinavam. Eu tinha a minha própria colecção de invertebrados que seleccionei e atribuí nomes enquanto frequentava as minhas aulas de zoologia. Eu queria saber mais sobre a vida selvagem, mas limitava-me à literatura, pois a única vez que víamos animais era no mercado, prontos para serem consumidos.
O meu pai disse-me que se eu quisesse ser um caçador de borboletas, ele não pagaria as minhas propinas escolares. Ele queria que eu fosse piloto da força aérea.
A minha infância foi interrompida pela guerra na década de 1990 e por isso me exilei na África do Sul.
Por favor, conte-nos porquê e como regressou à RDC vindo da África do Sul?
Depois de passar muitos anos na África do Sul, trabalhando como jornalista, sofri um acidente quando fui baleado enquanto investigava uma história. Eu tive de voltar para a faculdade e mudar de carreira. Surgiu a oportunidade de trabalhar numa grande mina de ouro no nordeste da RDC. Aproveitei a oportunidade porque estava com saudades de casa e descobri muito sobre o meu país quando voltei. Voei sobre aquele dossel verde da floresta tropical e nunca tinha visto nada tão incrível. Meu coração permaneceu naquela floresta e comecei a alimentar a ideia de fazer algo para mitigar os efeitos do desmatamento e do uso insustentável dos recursos naturais. Tive de tomar a difícil decisão de deixar um cargo executivo bem remunerado na mineração, para abraçar a carreira de voluntário, num sector que eu conhecia muito pouco.
Então estabeleceu a sua ONG, a Conserv Congo, usando as suas próprias poupanças. Conte-nos sobre isso.
O amor à natureza motivou-me, mas também o medo do fracasso. Quando estabeleci a Conserv Congo, não tinha ideia do trabalho que tinha pela frente. Eu também não conhecia a discriminação e os desafios que encontraria ao longo do caminho. Descobriu-se que a conservação drena não apenas a nossa energia, mas também o nosso bolso. Tínhamos mais de cinco anos de existência sem receber um centavo sequer de doadores. Esgotei as minhas poupanças e também vendi alguns pertences pessoais para manter a organização activa. Eu acreditava na Conserv Congo e nos seus objectivos. Sendo um líder, todos estavam de olho em mim. Não queria decepcionar a minha equipa e não queria dar o prazer a minha família e aos meus amigos de estarem certos quando me alertaram para não deixar o meu emprego no sector de mineração. Lutei pelo que acreditava ser a causa certa e continuo a fazê-lo ainda hoje. Ao longo do caminho, perdi muitos amigos, porque eles acreditavam que eu estava louco ao largar um emprego dos sonhos para perseguir animais selvagens.
Na sua opinião, quais foram as maiores conquistas da Consev Congo? E seus maiores desafios?
O maior desafio para mim é ser um africano e um profissional da área de conservação. Eu tenho que trabalhar três vezes mais para ter credibilidade na indústria. As pessoas me tratam como se fosse extraordinário que uma pessoa negra se interesse pela conservação. Não há muitos rostos negros nos locais de tomada de decisão.
O segundo maior desafio é a falta de financiamento para realizar a difícil tarefa que nos propusemos.
A RDC é um dos países mais afectados pela caça furtiva e pelo tráfico, mas recebe muito pouco apoio internacional para reverter a situação.
Talvez a maior conquista da Conserv Congo seja ser uma inspiração para os jovens africanos. Mostrar aos outros jovens africanos que se podem sonhar, podem alcançá-lo. Mudamos o paradigma e mostramos que, como africanos, podemos cuidar dos nossos próprios assuntos e administrar os nossos recursos naturais. Enquanto isso, tivemos várias conquistas tangíveis em campo: em 2017, o primeiro julgamento de um caso envolvendo a vida selvagem na RDC desde os tempos coloniais, grandes apreensões de marfim e escamas de pangolim em 2022 (2 toneladas de marfim e 4 toneladas de escamas), e também o resgate de quase mil animais vivos, incluindo primatas, pássaros e répteis.
A Conserv Congo é formada por jovens africanos de todas as esferas da vida e a missão é deixar uma marca positiva no resgate do nosso património natural.
A conservação na RDC é fundamental para todo o planeta, para proteger a biodiversidade, mas também para mitigar as mudanças climáticas. Acha que podemos salvar a floresta tropical do Congo, ao mesmo tempo em que atendemos às aspirações de milhões de pessoas que vivem dentro e ao redor dela?
Sim, podemos fazer com que a conservação funcione para todos. Na verdade, os nossos antepassados tornaram isso possível antes do colonialismo. Em África, os humanos sempre conviveram com a vida selvagem em harmonia. Hoje as pessoas esforçam-se para separar os dois e encarar as consequências. A nossa floresta não nos beneficia apenas a nós, ela beneficia a humanidade. Esta é a segunda maior floresta tropical natural do mundo e requer
e merece o nosso apoio. É possível salvar esta floresta e deixar que ela beneficie milhões de pessoas cujas vidas dependem dela. Basta trabalharmos juntos, com o mesmo objectivo, educar as pessoas sobre como utilizar os recursos com responsabilidade, dar a essas comunidades formas alternativas de sobrevivência, ensinando-lhes artesanato, novos métodos de agricultura, equipando-os logisticamente e, finalmente, aplicando de facto as muitas leis e textos jurídicos que se destinam a proteger a nossa fauna e flora.
Finalmente, a RDC é um país vasto, cheio de maravilhas naturais. Tem um lugar favorito para visitar?
A RDC é um país enorme e cada canto tem sua atração específica. Podem ver tantas maravilhas bonitas, incluindo o rio Congo, os gorilas prateados e os vulcões activos. No entanto, o meu lugar favorito é o Virunga. Se o paraíso tivesse um nome, seria Virunga. Também adoro fugir para as densas florestas de Tshuapa, perto do Parque Nacional de Salonga.
Encorajo os turistas a visitarem o Congo. Nem todos os comentários negativos que se ouve na imprensa sobre o Congo são verdadeiros!
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